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sábado, 29 de outubro de 2011
Populações denunciam que agrotóxicos e transgênicos adoecem pessoas e prejudicam cultivos tradicionais
Pesquisas em Mato Grosso mostram animais com diversas anomalias em locais cuja utilização de agrotóxicos é intensa.
Em Lucas do Rio Verde, um trabalhador rural foi até o Instituto de Defesa Agropecuária do Estado do Mato Grosso (Indea-MT) reclamar que um avião sempre passava em cima de sua propriedade e os agrotóxicos que lançava sobre os extensos plantios de monoculturas da região também atingiam seus cultivos. O Indea, que é o órgão que deveria ter o controle sobre a utilização dos agrotóxicos na região, não tinha sequer um cadastro dos aviões que realizam a pulverização aérea. “Fotografe o número do avião quando ele passar”, recomendou umas dos funcionários do Instituto ao trabalhador rural. “Mas a minha ferramenta é a enxada e não a máquina fotográfica”, respondeu o agricultor. O episódio foi relatado pela bióloga Lindonésia Andrade, membro da Organização Rioverdense de Meio Ambiente (Oluma), que, junto com pesquisadores da região, denuncia constantemente os graves problemas de saúde decorrentes do uso de agrotóxicos. O relato de Lindonésia foi feito no Diálogo Temático Agrotóxicos, Transgênicos, Saúde Ambiental, Justiça Ambiental e Agroecologia, no terceiro dia de atividades do Encontro Nacional de Diálogos e Convergências , realizado de 26 a 29 de setembro, em Salvador. A bióloga apresentou fotos de animais com diversas anomalias, como um leitão com oito patas, que nasceu em propriedades vizinhas a cultivos que utilizam agrotóxicos, além de deformações diversas em anfíbios coletados em lagoas e rios do município. “Lucas do Rio Verde tem o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas moramos num município doente, é um IDH para poucos”, declarou Lindonésia. A engenheira agrônoma Franciléia de Castro, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), que também apresentou a situação do Mato Grosso, destacou que até o final de 2011, serão utilizados 132 milhões de litros de agrotóxicos no estado.
Recentemente a imprensa nacional noticiou uma pesquisa que comprovava a contaminação do leite materno por agrotóxicos em Lucas do Rio Verde. De acordo com Lindonésia, após a grande repercussão dos resultados da pesquisa, o acesso aos dados de contaminação no município ficou mais difícil.
Além da realidade do Mato Grosso, outras três experiências foram apresentadas durante o diálogo temático – a da Chapada do Apodi, no Ceará, a da região do Contestado, no Paraná e Santa Catarina, e a do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), que tem atuação em diversas regiões do país. Márcia Xavier falou sobre o assassinato de seu pai, o trabalhador rural José Maria, uma das mais importantes lideranças da região na crítica ao uso de agrotóxicos pelas empresas de fruticultura que se instalaram no local. José Maria do Tomé foi assassinado em 21 de abril de 2010 e o crime permanece impune. Márcia relatou como as investigações têm sido dificultadas por supostas debilidades técnicas, como a falta de equipamentos para realizar a perícia nas balas coletadas pela própria família na ocasião do assassinato, apesar de vários indícios de que o crime teve motivações políticas.
De acordo com Márcia e com outros militantes e pesquisadores que também participaram da oficina, o único objeto de José que sumiu no momento do crime foi uma pasta na qual ele carregava inúmeros documentos e processos relativos ao combate à pulverização aérea na região. Um mês após a morte do agricultor, uma lei que impedia essa prática no município de Limoeiro do Norte foi revogada e novamente a população voltou a receber os agrotóxicos também vindos dos aviões. “Há uns cinco anos o pai tinha percebido que havia uma epidemia de coceira, aí um médico disse a ele que poderia ser algo que as pessoas tivessem acesso diariamente, então, depois, descobriram que a água que as pessoas consumiam estava contaminada”, descreveu Márcia.
Da mesma região, o agricultor Eduardo Souza, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), contou como a Chapada do Apodi virou objeto de ganância das empresas fruticultoras, após o incentivo do governo e a construção de um projeto de irrigação na região. “A Chapada do Apodi era ocupada por pequenos produtores, irrigantes, agricultores familiares. As empresas se apropriaram da região com a criação do perímetro irrigado do Apodi, com a política de irrigação dos anos 90, quando a chapada passou a ser um foco do olhar do capital para expandir o agronegócio”, destacou. Eduardo falou também sobre como a parceria entre a comunidade e pesquisadores possibilitou uma denúncia bem fundamentada dos problemas causados pelo uso de agrotóxicos na Chapada. “Conseguimos ver com mais clareza, subsídio e fundamentação cientifica, graças à intervenção do grupo Tramas [Núcleo de pesquisa Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade, da Universidade Federal do Ceará] que nós temos grandes impactos. São seis grandes empresas que comprometem diretamente o meio ambiente e a biodiversidade, com o uso intensivo de agrotóxicos. Na chapada está o aqUífero Jandaíra, o terceiro maior do Nordeste, e essas empresas fazem um uso abusivo da água desse aqUífero e o contaminam. As empresas não pagam nada por isso e não compensam em nada as comunidades locais”, afirmou.
Mobilizações
Os movimentos sociais da Chapada do Apodi criaram o Movimento 21 para cobrar do poder público e alertar a população sobre os prejuízos causados pelas indústrias. O nome do movimento é uma lembrança ao dia do assassinato de José Maria. No ano passado, os trabalhadores de uma das empresas de fruticultura realizaram uma greve para reivindicar direitos básicos, como o de realizar as refeições em um refeitório e não mais ao relento, ao lado das frutas que tinham acabado de pulverizar com os agrotóxicos. “Houve um verdadeiro extermínio e expulsão dos pequenos produtores, que se tornaram assalariados rurais do agronegócio. As empresas produzem milhões de reais, mas essas riquezas não são divididas com os trabalhadores. As empresas estão com as terras, com um incentivo do estado, comprometem a biodiversidade, exploram os trabalhadores, acumulam muitas riquezas, e para os pequenos produtores e trabalhadores rurais, só resta um mísero salário e condições sub-humanas de vida e trabalho”, critica Eduardo.
Na região do Contestado, nos estados do Paraná e Rio Grande do Sul, os agricultores têm se organizado para evitar que seus cultivos sejam contaminados por sementes transgênicas. O técnico André Jantara, da ASPTA- Agricultura Familiar e Agroecologia, relatou as experiências da região no resgate, avaliação e multiplicação de sementes crioulas, com a realização de feiras de sementes e encontros regionais de biodiversidade. Um grave problema, segundo André, é a quantidade de agrotóxicos utilizada na monocultura do fumo, bastante comum na região. Os movimentos da região criaram o coletivo Triunfo, para promover ações de conscientização e questionamento público dos impactos dos agrotóxicos e transgênicos para a biodiversidade regional.
Eliane Mendes, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palmeira, também na região do Contestado, contou que plantou fumo durante 20 anos, mas decidiu fazer uma reconversão agroecológica em sua propriedade. “No início tínhamos mata nativa, sempre plantávamos feijão, milho, mas com o passar do tempo, fomos perdendo a diversidade e aumentando o cultivo do fumo. O solo era fértil, não precisava de adubo nem de nada, não tínhamos muita despesa, mas depois, fomos ficando dependentes de adubo, o solo foi ficando mais fraco e o cultivo de fumo tinha mais custo. E o que acontece é que para plantar o fumo, os consultores trazem o pacote completo, levam tudo em casa. Aí era mais fácil e mais cômodo, então fomos aumentando sempre mais o número de pés plantados e com o passar dos anos o investimento necessário passou a ser maior”, detalhou. De acordo com Eliane, foi participando de um seminário que ela percebeu a necessidade de modificar a forma de produzir. “Eu estava produzindo morte, pois o fumo está acabando com a vida das pessoas através do cigarro e do uso do agrotóxicos. Então, tomei uma atitude: pensei que ao invés de produzir morte, eu iria produzir vida”, fala.
Foi também pensando na vida que as mulheres do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) decidiram colocar em prática a Campanha por alimentos saudáveis. As agricultoras Maria Mendes dos Santos e Izaquiani Feitosa apresentaram a campanha durante o diálogo temático. De acordo com as agriculturas, o MMC está tentando mapear os costumes de alimentação em cada região. “Assim, poderemos estar cada vez mais unidos, para mostrarmos essa potencialidade e diversidade de alimentação que temos em todos o país”, destacou Izaquiani.
O MMC quer chamar a atenção, por meio da campanha, para a grande potencialidade que a agricultura camponesa possui na produção de alimentos. Entre as metas da campanha está a garantia de recursos públicos e subsidiados para a produção ecológica dos alimentos, a pontencialização das redes solidárias de trabalho e consumo e a resignificação da cultura, dos valores e hábitos alimentares. “Cada vez mais o movimento vem afirmando que a luta política não existe sem a luta cotidiana e a luta cotidiana não existe sem a política”, concluem as mulheres do MMC.
Reportagem de Raquel Júnia – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), publicada pelo EcoDebate, 04/10/2011
Extraido: http://www.ecodebate.com.br/2011/10/04/populacoes-denunciam-que-agrotoxicos-e-transgenicos-adoecem-pessoas-e-prejudicam-cultivos-tradicionais/
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