Seguidores

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Aviação agrícola: O mito das aplicações seguras.



Por Darci Bergmann

NUVEM ASSASSINA

Os fabricantes de equipamentos para aplicação aérea desenvolveram dispositivos que tendem a diminuir os efeitos da deriva. Também as embalagens dos produtos, na sua maioria, são recolhidas e encaminhadas às centrais de recolhimento. Dá-se muita ênfase a esse aspecto da questão. Isso, aliado a muita publicidade, passa à opinião pública uma idéia de que as aplicações aéreas de agrotóxicos são seguras e feitas por equipes especializadas.

A legislação brasileira estabeleceu parâmetros ou normas operacionais para as aplicações aéreas de agrotóxicos. Os pilotos, assim como os técnicos responsáveis pelas empresas de aviação agrícola, recebem treinamento sobre a atividade. Conhecem a legislação pertinente. A Lei também determina que toda a aplicação aérea de agrotóxico seja precedida de planejamento operacional e se as condições meteorológicas não forem adequadas no momento da operação, esta deve ser cancelada.

Então, com tudo isso poderia se deduzir que o meio ambiente e a saúde pública estão livres dos problemas dos agrotóxicos, especialmente quando aplicados via aérea. Ledo engano. Na prática, a realidade é outra.

Uma vez que a equipe de aplicação aérea se deslocou até o local da área a ser pulverizada dificilmente ela cancela o serviço, mesmo diante de condições meteorológicas desfavoráveis.

A fiscalização a campo se torna difícil e onerosa e depende muito de ação denunciadora de vítimas do mau uso da aviação agrícola. As vítimas tem dificuldade de encaminhar queixas com provas dos danos sofridos em suas propriedades. Ocorre que as provas dependem de laudos técnicos e muitas vezes faltam recursos financeiros para custeá-los. Outras vezes, os prejudicados não querem se indispor com algum vizinho ou até não conseguem testemunhas pelos mesmos motivos.

Em reuniões comunitárias, já ouvi muitos relatos de problemas causados pelo uso de agrotóxicos, via aérea. Todos esperam alguma coisa das autoridades constituídas. Estas, por sua vez, quase sempre se omitem, por motivos vários. Alguns prefeitos, vereadores ou mesmo deputados relutam em tomar medidas, pois temem contrariar aliados políticos ligados às empresas de aviação agrícola, que tem poder econômico. Encaminhar projetos de lei às Câmaras Municipais, visando coibir situações de abuso ou de restrições de uso, via aérea, de algum agrotóxico, esbarra na argumentação de que o assunto é da alçada federal. Existe, portanto, uma brecha entre o que diz a Lei e a realidade fática.

Por isso são poucos os casos que vêm à tona e que resultam em ações judiciais. Tem-se notado que muitas vezes as partes envolvidas nessa questão fazem acertos para reparar os prejuízos financeiros. Mas os problemas ambientais decorrentes continuam e se avolumam.





Os municípios podem legislar sobre os agrotóxicos e aviação agrícola?

Nos anos de 2003 e 2004, foram realizadas duas conferências municipais sobre meio ambiente, em São Borja. Na última, com a participação de quatrocentas pessoas, foi aprovada proposta de proibição de uso, via aérea, no território do Município de São Borja, de agrotóxicos formulados com os seguintes princípios ativos: inseticida CARBOFURAN (componente do produto comercial FURADAN 100 G e outros ), herbicidas 2,4-D e CLOMAZONE (componente do GAMIT). Como Secretário Municipal do Meio Ambiente, fiquei incumbido de redigir anteprojeto de lei e encaminhá-lo ao Gabinete do Prefeito. A matéria, com ampla justificativa, foi enviada à Consultoria Jurídica, que a considerou inconstitucional, já que seria de competência da União legislar sobre o tema. Frustrou-se, assim, a expectativa de centenas de pessoas e quem sabe de milhares de outras indiretamente. Se transformada em projeto de lei, a questão abriria enorme discussão e seria uma forma de esclarecer à opinião pública sobre o uso dos agrotóxicos e suas conseqüências. Alguns municípios romperam as barreiras e tomaram medidas restritivas com relação aos agrotóxicos. O Brasil, pelo tamanho do seu território e pelas peculiaridades regionais e locais, não pode ficar restrito à tutela federal no que tange à restrição de uso de alguns agrotóxicos, especialmente via aérea.

Em decorrência de situações graves e pelas brechas da legislação federal e estadual, os municípios começam a se mobilizar. Existem situações específicas e mesmo a precariedade da fiscalização que justificam a interferência dos municípios na questão dos agrotóxicos.


Da minha experiência pessoal com aviação agrícola

Tive experiência própria com a atividade de aviação agrícola, por dois anos, no início dos anos 1980. Na época eu tinha revenda de agrotóxicos. Acompanhei à campo várias aplicações aéreas. As normas operacionais da aviação agrícola, do Ministério da Agricultura, ainda não haviam sido estabelecidas, o que veio a ocorrer em l.983, com a Portaria 009/83 e seu anexo da Secretaria de Defesa Sanitária Vegetal. Constatei que, sempre que se aumentava o volume de água por hectare, aumentava a eficiência da aplicação, desde que as condições meteorológicas fossem favoráveis.

Foram feitas aplicações aéreas com o lagarticida biológico Dipel, à base de Bacillus thuringiensis, com excelente controle de lagartas em soja. Tal produto só não fazia melhor efeito quando o volume de água era reduzido. Cheguei até imaginar que um dia teríamos uma ampla gama de produtos biológicos, sem efeitos nocivos à saúde humana e animal ou ao meio ambiente. No entanto, assisto, tantos anos depois, um desvirtuamento da atividade da aviação agrícola, quando se refere ao uso de agrotóxicos. Mesmo com toda a parafernália de equipamentos, legislação federal e o marketing das empresas que garantem eficiência, segurança, etc. a realidade é outra.

Deixo claro que não tenho objeções aos demais usos da aviação agrícola, como, por exemplo: semeadura, aplicação de fertilizantes, combate a incêndios, etc. Meu questionamento refere-se à aplicação aérea de produtos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente em geral. Mesmo que algumas empresas e pilotos tenham mais consciência nessa questão e procuram se adequar à legislação, existem fatores que extrapolam essas precauções, pelos motivos que exponho a seguir.

1- As aeronaves sobrevoam áreas bem maiores daquelas que são objeto da pulverização. Isto provoca grande turbulência no ar e as microgotas se espalham ainda mais no ambiente.


2- As pulverizações em baixo volume são realizadas sob grande pressão nos bicos, partilhando ainda mais as gotas. Isto, aliado à velocidade da aeronave, favorece a evaporação da água (veículo) e a volatilização do agrotóxico. A baixa umidade relativa do ar e as altas temperaturas agravam a situação, assim como a velocidade e direção dos ventos.

3- O vácuo formado pela aeronave provoca o arrastamento das partículas até centenas de metros após o fechamento dos bicos no final de cada tiro.

4- Quanto menor a área pulverizada, maior a contaminação ambiental, no entorno.

5- As áreas com relevo ondulado, caso das coxilhas, não permitem altura padrão sobre a cultura a ser pulverizada. Isto provoca deriva maior, quanto maior for a altura de vôo. As temperaturas das massas de ar nas áreas onduladas são diferentes nas partes mais altas e baixas e a deposição das gotas não fica homogênea.

6- Para se ter uma idéia do tamanho de uma gota, basta ver o seguinte exemplo. Se o volume de calda (água mais produto) a ser aplicado num hectare for 20 litros, teremos o seguinte:

20 = 20.000 ml; 1 hectare=10.000 m²

Ou 20.000ml/10.000m²= 2ml/m2

Vale dizer que em cada porção de 1 m² de área serão aplicados apenas 2ml de calda de agrotóxico. A divisão desse pequeno volume provoca gotas de diversos tamanhos, algumas tão pequenas que tem o aspecto de névoa. Outras são impercetíveis. Com isso tem-se uma idéia do que ocorre durante uma aplicação aérea. Imagine se as condições meteorológicas forem adversas.



Numa edição do programa Globo Rural, foi mostrado trabalho de pesquisa sobre deriva de agrotóxicos nos Estados Unidos. Com aparelhagem ultra-sensível, conseguiram detectar a presença de pequeníssimas gotas do produto a dezenas de quilômetros do local de aplicação, via aérea, em condições meteorológicas consideradas normais.

Em certa ocasião, notei clorose acentuada em folhas de cinamomo, na verdade houve o branqueamento das folhas e logo deduzi que os sintomas se referiam à ação fitotóxica de herbicida à base de CLOMAZONE (GAMIT).


Depois constatei que foi feita aplicação aérea com esse produto em lavoura de arroz situada a quase três mil metros do local onde havia observado os danos. Não havia outra lavoura nas imediações. As correntes de ar levaram o produto a longa distância. Era um dia de calor, mas os ventos eram normais. Talvez o leitor se surpreenda e há quem queira contestar o que já foi presenciado por mim.

Em épocas de aplicação de herbicida, o ir e vir de aeronaves agrícolas sobre um mesmo local, mesmo sem estar aplicando o produto, pode provocar ação fitotóxica. Isto é perceptível na primavera, nos dias quentes, quando as folhas novas das árvores caducifólias, ficam deformadas. Nessa época inicia a aplicação de herbicidas nas lavouras de arroz aqui na região. São freqüentes os relatos sobre isso. Ocorre que podem estar ocorrendo pequenos vazamentos de calda, quase imperceptíveis. Também é possível a volatilização do produto, especialmente em dias de muito calor.

A pressão exercida dentro do tanque força a saída do produto volatilizado pelos bicos de pulverização. Tal possibilidade ficou demonstrada com outro fato que presenciei. Um pulverizador do tipo costal, de 20 litros, vazio e que havia sido usado para aplicação de herbicida, foi deixado no sol próximo a plantas de vaso. Horas depois, as plantas apresentaram folhas murchas num raio de quase três metros a partir do pulverizador costal.

No dia seguinte algumas folhas estavam cloróticas e uma planta secou completamente dias depois. Sabe-se, por exemplo, que os herbicidas à base de 2,4-D são altamente voláteis e causam grandes danos nas plantas denominadas popularmente como de “folhas largas”, diferentes das gramíneas. Embora as restrições de uso, o 2,4-D ainda é aplicado via aérea, como pude comprovar em perícias judiciais.


Alguns casos reais de deriva de agrotóxicos


A soja transgênica foi saudada como um grande avanço. Realmente, à primeira vista, parecia resolver um problema sério que é a infestação da lavoura pelos inços. A aplicação de herbicida à base de glifosato permite o controle das invasoras em estágio avançado dentro do cultivo. Mas todo o remédio químico certamente tem efeitos colaterais e não deve ser apregoado como a única solução. Não vou me ater a efeitos de longo prazo, desconhecidos e que não posso comprovar. Mas vou me referir a fatos já constatados. Via terrestre o uso sem critérios de glifosato está dizimando a vegetação marginal das lavouras e aquela protetora das encostas ou taludes das estradas.

Com isso, aumenta a erosão do solo por falta da forração vegetal. No que se refere à aplicação aérea, o problema é similar, com uma agravante: a deriva atinge outras culturas suscetíveis ao glifosato mesmo a centenas ou milhares de metros. Atuei como perito numa ação judicial, onde a parte autora pediu indenização por danos em lavoura de arroz provocados pelo herbicida glifosato usado em lavoura de soja transgênica. A maior parte do herbicida na soja havia sido feita com aeronave. Com ventos de 14 Km/H e no sentido da lavoura de arroz, a deriva levou o glifosato a centenas de metros, em quantidade suficiente para liquidar uma parcela de arroz germinado a poucos dias.


Mais sobre o tema:


Um comentário:

  1. Boa tarde meu caro
    Acho muito louvável a intenção de levar a informação a quem não a possui, porem devemos nos ater a realidade e jamais aumentar os fatos, sendo que, pode prejudicar a sí proprio por ser perito tambem como relata.
    a aviação agricola é uma ferramenta que creio ser imprescindível para a agricultura brasileira e também é sabido que algum profissionais acabam por abusar de certas condiçoes metereológicas o que pode trazer riscos ao meio. estes sim devem ser responsabilizados e punidos. vejo tambem que muitos pilotos e profissionais da aviação não agem como voce relatou, estes tem muita preocupação com as condiçoes do tempo, ate porque, geralmente os produtores e proprietarios dos defensivos estao presentes no acompanhamento da aplicação e nao aceitam que o rabalho seja realizado fora das condiçoes ideais e ainda mais com dosagens que alcancem o efeito desejado.
    recomendo um pouco mais de estudo sobre o caso para opinar e trabalhar na área pois, com as informações que voce possui certamente passara informações inconsistentes e possíveis erros em laudos técnicos.

    ResponderExcluir