Na última matéria do especial #TransgênicosNoBrasil, conheça o feijão geneticamente modificado da estatal Embrapa. Para a empresa, a planta pode garantir segurança alimentar, mas agricultores familiares alertam que sementes crioulas podem ser prejudicadas
Desenvolver tecnologia nacional para a produção de plantas transgênicas, de modo a reduzir a dependência que os produtores brasileiros têm hoje das empresas transnacionais que controlam sementes e patentes, e buscar a inovação tecnológica em transgenia que não esteja voltada exclusivamente para o aumento da produtividade e a geração de lucros, criando plantas e alimentos modificados voltados ao bem-estar da população. Esse é o objetivo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), segundo o próprio órgão.
Subordinada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Embrapa desenvolve atualmente pesquisas e projetos sobre transgênicos de produtos como algodão, soja, milho, cana-de-açúcar, tomate, mamão e hortaliças, além de estudar novas tecnologias que podem dentro de alguns anos surtir um impacto positivo na redução dos riscos relativos ao consumo de alimentos geneticamente modificados.
Mas tais pesquisas sofrem críticas de pequenos agricultores brasileiros, especialmente os articulados em torno da Articulação do Semi-Árido Brasileiro (ASA), rede que atua na gestão e no desenvolvimento de políticas de convivência com a região semiárida do Nordeste brasileiro. Para eles, os estudos podem comprometer seriamente a variedade genética das sementes crioulas desenvolvidas pela agricultura familiar.
A Embrapa já teve dois pedidos de plantio de transgênicos para fins comerciais aprovados pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). O primeiro deles, aprovado em 2009, é relativo à soja transgênica Cultivance, desenvolvida em parceria com a empresa alemã Basf para tolerância aos herbicidas da classe das imidazolinonas. O projeto mais importante da Embrapa, no entanto, é o feijão transgênico Embrapa 5.1, resistente à praga do mosaico dourado, que foi desenvolvido exclusivamente pela empresa brasileira, aprovado pela CTNBio em 2011 e já está na fase de testes de campo, com previsão de chegar à mesa do consumidor em dois anos.
Feijão
Responsável pelo Laboratório de Genética da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o cientista Francisco Aragão lembra que, fora dos Estados Unidos, o feijão da Embrapa é a segunda planta transgênica desenvolvida por uma instituição pública em todo o mundo: “O feijão foi desenvolvido para resolver um problema que os programas de melhoramento tentam solucionar pelos métodos convencionais há mais de 40 anos: obter uma planta que seja imune ao mosaico dourado. Essa doença é causada por um vírus, e tem sido muito difícil encontrar nos bancos de germoplasma uma resistência a ele que seja possível transferir para as variedades comerciais de feijão. Nós resolvemos usar a engenharia genética para tentar solucionar esse problema, e foi gerada uma planta imune ao vírus do mosaico dourado”, conta.
Aragão ressalta o fato de o feijão ser um alimento simbólico para o povo brasileiro e de que um eventual aumento de sua produtividade em território nacional teria impacto direto sobre o bem-estar da população: “O primeiro pilar da segurança alimentar é a disponibilidade de comida, e o segundo é a condição de ter acesso a essa comida. Os programas do governo visam resolver os problemas do segundo pilar, mas este depende também de preço. Se o alimento estiver caro, não há Bolsa-Família que resolva. O Brasil é hoje importador de feijão, e o preço do feijão a cada ano tem picos e dispara a níveis intoleráveis. Este ano, em alguns lugares, variou entre R$ 7 e R$ 10 o quilo, um valor completamente fora da realidade das pessoas de baixa renda. Isso gera insegurança alimentar”, diz.
Críticas
Os agricultores familiares do Nordeste, porém, questionam duramente a iniciativa da Embrapa. Para eles, o feijão geneticamente modificado representa uma ameaça a suas variedades crioulas, que se adaptam a cada situação de clima e solo e não têm custo de produção. Na opinião dos pequenos produtores, a empresa estatal não poderia basear suas pesquisas na produtividade e deveria focar seus estudos justamente nas sementes crioulas, ajudando a conservar esse patrimônio genético.
Em julho de 2011, agricultores reunidos em Maceió (AL) para o II Encontro Nacional de Sementes divulgaram uma moção contra a liberação do feijão transgênico Embrapa 5.1, possibilidade que estava sendo analisada pela CTNBio. No documento, eles classificavam a provável liberação “uma grave ameaça à segurança e à soberania alimentar e à agrobiodiversidade”. “Reafirmamos que não precisamos dessa tecnologia para seguir produzindo alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos, como demonstram milhares de experiências desenvolvidas por todo o semiárido brasileiro. Em nossos bancos e casas de sementes temos mantido centenas de variedades de feijão, adaptadas às nossas condições climáticas e às necessidades de nossas famílias, as sementes da resistência e da paixão”, diz o texto.
De acordo com a moção, não haviam sido realizados estudos de avaliação de risco nos biomas das regiões Norte e Nordeste, locais de grande diversidade de sementes crioulas de feijão, nem pesquisas suficientes sobre os riscos de contaminação genética. “Sabemos que a própria Embrapa possui pesquisas com agricultura orgânica, que demonstram a possibilidade de combate ao vírus do mosaico dourado, transmitido pela mosca branca, sem que seja necessário o uso de agrotóxicos e de transgenia.”
De acordo com o calendário estabelecido pela Embrapa, no entanto, o feijão transgênico poderá estar no prato dos brasileiros já em 2015, assim que sejam concluídas todas as etapas necessárias à sua completa liberação e produção em escala: “Depois de o feijão ter sido aprovado pela CTNBio em 2011, foi preciso registrar as variedades. Aí, é preciso seguir as normas do Ministério da Agricultura, que exige vários ensaios nacionais para análise agronômica das novas variedades. Esses ensaios começaram em 2012, e em 2013 se completará o segundo ano de ensaios. Provavelmente, em 2014 deveremos obter as sementes, já que são várias fases de testes com sementes. Nós temos a expectativa de que em 2015 o feijão transgênico passe a ser cultivado”, diz o técnico da Embrapa.
Novos transgênicos
Para os próximos anos, a Embrapa tem a expectativa de dar entrada em vários outros pedidos de liberação para plantio de transgênicos junto à CTNBio. Segundo Francisco Aragão, a empresa tem trabalhado com “as principais culturas que interessam ao Brasil” em suas pesquisas: “Algodão, soja, algumas hortaliças, cana e milho. Essas são as principais culturas com as quais a Embrapa tem trabalhos mais avançados. Provavelmente, deverá haver interesse em outras plantas, como o trigo, por exemplo, e também em fruteiras como o mamão. Mas ainda não existe nenhuma dessas tecnologias sendo avaliada do ponto de vista da biossegurança, que seria o passo final para um pedido de liberação comercial”, diz. Aragão ressalta que existem algumas tecnologias já mais desenvolvidas pela Embrapa: “Foram geradas duas alfaces: uma que tem 15 vezes mais ácido fólico que uma alface convencional e outra que produz uma proteína que pode ser usada em um kit para diagnosticar o vírus da dengue”.
Segundo ele, a possibilidade de mirar o benefício do consumidor, e não somente o aumento da produtividade e o lucro, guarda o potencial de transformar, ao menos em parte, o mercado de transgênicos: “É evidente que o foco ainda é no produtor. Mas, hoje em dia, por causa da engenharia genética, o desenvolvimento de transgênicos que tragam benefícios aos consumidores pouco a pouco vem avançando em paralelo para desenvolver estratégias para o consumidor e até utilizar as plantas como veículo para a produção de fármacos e de vitaminas das quais a população é carente”, diz Aragão.
As pesquisas nesse sentido, diz o técnico da Embrapa, se multiplicam: “Já existem hoje vários produtos com proteínas, utilizadas principalmente em diagnose, que são produzidas em plantas. Também já estão sendo realizados exames clínicos para analisar produtos farmacêuticos produzidos em plantas. Já começam a surgir vários exemplos de plantas transgênicas biofortificadas com vitaminas como, por exemplo, o arroz dourado, que é rico em vitamina A. Existem também outras plantas, que provavelmente irão surgir, com maior teor de ferro, zinco etc.”, aposta.
A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia desenvolve outra tecnologia que deve causar impacto. Patenteada em maio deste ano, a tecnologia promete eliminar a manifestação da transgenia em frutos e sementes, o que de acordo com a empresa praticamente eliminaria também seus riscos na alimentação humana, já que a planta continua sendo transgênica, mas a parte consumida na alimentação não. Outra vantagem dos novos transgênicos pesquisados seria o fato de preservarem fungos e parasitas que são benéficos à planta, ao contrário da tecnologia utilizada atualmente, que elimina igualmente os organismos benéficos e os maléficos. Inicialmente testada em variedades de soja, cana-de-açúcar e tomate, a nova tecnologia deverá chegar ao mercado em 2020, segundo a expectativa da Embrapa.
Parcerias
Para desenvolver seus trabalhos sobre transgênicos, a Embrapa aposta também nas parcerias firmadas no Brasil e no exterior. A empresa tem como parceiros brasileiros a Fundação Oswaldo Cruz, para o desenvolvimento de fitoterápicos, entre outros, e a Universidade de Campinas (Unicamp), que abrigará em seu Parque Tecnológico uma unidade mista de pesquisa para desenvolver trabalhos sobre cultivares transgênicos de grande interesse comercial, principalmente o milho: “Com as parcerias, a Embrapa busca gerar tecnologias que sejam interessantes para a Embrapa e para o Brasil”, diz Francisco Aragão.
Segundo ele, existem acordos firmados com empresas privadas e com universidades do Brasil e do exterior: “A Embrapa tem um leque muito grande de parcerias, principalmente com instituições públicas e suas correlatas no Japão, Estados Unidos e Europa. Mais recentemente, tem gerado parcerias até com instituições africanas e latino-americanas. São acordos diversos e para distintos interesses”, diz.
Em sua maioria, destaca Aragão, as linhas de pesquisa desenvolvidas pela Embrapa junto às universidades brasileiras buscam criar transgênicos que possam colaborar para solucionar problemas nacionais: “Hoje existe um interesse cada vez maior em gerar plantas tolerantes ao calor, à seca e ao solo salino, muito comuns na Região Nordeste. A perspectiva é que esses problemas fiquem cada vez mais graves à medida que será preciso manter ou até aumentar a produtividade, mas usando cada vez menos água, cuja escassez já é um fator limitante para a agricultura. Para cada metro cúbico de água gasto por pessoa nos ambientes urbanos, gasta-se dezenas de metros cúbicos na agricultura. Os transgênicos podem mudar essa realidade no futuro”, diz.
Publicado originalmente: Repórter Brasil
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