Um estudo coordenado pela Universidade de Campinas (Unicamp) na água potável de 16 capitais do Brasil, onde vivem 40 milhões de pessoas, indicou a presença de substâncias químicas não legisladas, principalmente a cafeína, em 92% das amostras coletadas. Apesar de não apontar riscos claros à saúde humana, os pesquisadores envolvidos garantem que os resultados indicam deficiência no tratamento da água e que o efeito nocivo desses compostos ainda está por ser definido.
De acordo com a pesquisa, coordenada pelo Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA), sediado no Instituto de Química da Unicamp, foram encontradas concentrações consideráveis de cafeína nas 49 amostras realizadas, além de concentrações do herbicida atrazina, do laxante fenolftaleína e da substância triclosan, encontrada em produtos de higiene.
Nenhuma dessas substâncias está presente na Portaria 2.914, publicada pelo Ministério da Saúde em dezembro do ano passado para definir critérios de segurança para a distribuição da água. Por isso, o resultado da pesquisa e os riscos dos compostos à saúde humana dividem especialistas.
Responsável por comandar os estudos na Região Sul, o químico Marco Tadeu Grassi reconhece que a constatação da cafeína na água potável das capitais brasileiras não deve causar um alarme na população, mas criar um sinal de alerta nas distribuidoras de água.
“A cafeína, por si só, não é um risco para a saúde pública, porque a concentração dela em um cafezinho é muito maior. Mas a presença dela na água é um indicativo de que o processo de tratamento de água não está conseguindo remover outros compostos”, diz Grassi, coordenador do grupo de Química Ambiental da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
A opinião, porém, é ponderada por Delmo Vaitsman, coordenador do Laboratório de Desenvolvimento Analítico do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “As estações de tratamento estão voltadas para a eliminação de metais pesados e substâncias inorgânicas. Precisaríamos de muito mais estudos científicos para caracterizar um composto como contaminante”, diz o químico.
Em entrevista ao portal da Unicamp, o coordenador do estudo, o químico Wilson Jardim, lembra que já existem tecnologias disponíveis para remover contaminantes não legislados da água, mas admite que o processo é oneroso. “É claro que um investimento desse tipo pode encarecer o custo de produção da água potável, mas temos que considerar que essas substâncias podem trazer sérias sequelas não apenas ao ser humano exposto, com também aos seus descendentes”, afirmou em entrevista à universidade.
Caso Jardim esteja certo, as populações que mais devem se preocupar com o estudo do INCTAA estão em Porto Alegre, São Paulo e Belo Horizonte, capitais que apresentaram índices de contaminação por cafeína entre 32 e 166 nano gramas por litro de água.
De acordo com Grassi, a atrazina foi detectada em amostras de 14 das 16 capitais, mas em concentrações menores do que a cafeína: de 0,6 a 6 nano gramas por litro. O valor máximo do hormônio apareceu justamente em umas das amostras coletadas em Curitiba. Já a fenolftaleína e o triclosan foram detectados em baixas concentrações em duas capitais, respectivamente, Palmas e Porto Alegre.
Consumidora só bebe água da torneira
Enquanto boa parte da população mundial adere à água mineral para matar a sede, uma argentina de Buenos Aires, radicada em Curitiba há seis anos, decidiu beber apenas água potável. Alheia ao estudo que indica a presença de substâncias não legisladas na bebida, ela deixou de comprar as garrafinhas plásticas por não confiar nos sistemas de controle de qualidade das empresas do setor.
“A indústria da água mineral cobra, pelo menos, R$ 1,20 por uma água que tem menos controle de qualidade do que aquela da torneira”, defende Natalia Gavotti, 35 anos, que trabalha na área de tecnologia da informação em uma fábrica automotiva de Curitiba. Ela se refere à garrafinha de 510 ml.
Apesar da resistência de Natalia, dados da Associação Brasileira de Indústria de Águas Minerais (Abinam) mostram que o mercado da água mineral cresce em ritmo acelerado. A produção de água engarrafada no Brasil passou de 1,5 bilhão de litros em 1995 para 9 bilhões em 2011 – um crescimento de 500% que levou o setor a arrecadar mais de R$ 2 bilhões apenas no ano passado.
Apesar dos altos números, o consumo per capita do produto no país ainda é baixo em relação a outros centros do mundo. Em 2010, os franceses beberam 132 litros per capita de água mineral enquanto no Brasil essa conta não passou de 45 litros. A Abinam estima que os brasileiros devam chegar ao mesmo patamar do atual consumo da França em dez anos.
Entre esses consumidores está Neide Fiani de Assis Batista, 72 anos, que há dez anos deixou de beber água da torneira por julgá-la contaminada. Ela reconhece, porém, não saber de onde veio essa informação. “Devo ter lido ou ouvido alguém falar, mas sempre achei que fosse [contaminada]”, diz a aposentada, que tanto na sua casa, no bairro Mercês, em Curitiba, quanto na rua, só bebe água mineral.
Argumentos que Natalia rebate: “Larguei a água mineral logo que cheguei a Curitiba e nunca passei mal”, diz a argentina, que ainda ressalta outro problema da água engarrafada. “No Atlântico Norte há uma ilha de plástico por que o lixo sai da sua frente, mas não do mundo”. De acordo com a Abinam, 43% da produção brasileira ainda são distribuídos em embalagens descartáveis.
Notícia relacionada:
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Para saber mais:
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