Análise de medula óssea revela alteração genética em 11 de 43 trabalhadores agrícolas com riscos ao câncer
Petrolina (PE) / Fortaleza (CE). Regiões agrícolas têm apresentado mais casos de câncer do que onde não há atividade com grande uso de agrotóxicos. Isso se tem observado em Estados como Ceará, Pernambuco, Mato Grosso e Rio de Janeiro. Não apenas levantamentos estatísticos comprovam isso, mas estudos clínicos e epidemiológicos, alguns com quase dez anos, feitos por especialistas em áreas como Toxicologia, Hematologia e Biogenética, tendo como área de pesquisa as cidades agrícolas de Limoeiro do Norte (CE), Petrolina (PE), Lucas do Rio Verde (MT) e Paty dos Alferes (RJ).
Potencial carcinogênico
Mesmo que, de forma isolada, diversos agrotóxicos tenham comprovado potencial carcinogênico, os atuais estudos dão maior segurança a quem entende a complexidade que há em se estabelecer nexo entre a exposição ao veneno e a doença para dizer: "sim, os agrotóxicos causam câncer, estão causando e há um número significativo de pessoas morrendo devido a esse problema", explica Chelda Bedor, biofarmacêutica com doutorado em Ciências da Saúde, pesquisadora da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina (PE), que há cinco anos publicou um dos primeiros estudos amplos sobre o potencial carcinogênico dos agrotóxicos.
Com um elaborado modelo de Química Quântica (sugerido à Anvisa), Chelda demonstra toda a complexidade que relaciona as fórmulas estruturais dos venenos e em que medida elas se dispõem com as células humanas, por meio da transferência de elétrons, que constituem a parte mais externa dos átomos (menor partícula da natureza).
Em quase duas décadas, foi crescente o número de óbitos por neoplasias (câncer) na polo agrícola do Vale do São Francisco, entre Pernambuco e Bahia. Saiu de 12,2, em 1980; para 14, em 1993, e 31,8, em 2004 para grupos de 100 mil habitantes.
Maior incidência
Na região do Vale do Jaguaribe, no Ceará, a incidência de mortes por câncer é 38% maior em relação aos municípios não-agrícolas também do Ceará, conforme estudos do Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade (Tramas), da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). "Nos casos gerais de câncer, o maior número de localizações anatômicas de neoplasias têm se conferido em agricultores", aponta Raquel Rigotto, coordenadora do estudo.
De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde do Ceará (Sesa), de 2001 a 2010, 424 pessoas morreram de câncer somente em Limoeiro do Norte (cidade tem 56 mil habitantes), média de uma morte por câncer a cada onze dias.
A suspeita de que os agrotóxicos participam deste dado é reforçada por estudo genético coordenado pelos médicos hematologistas Ronald Pinheiro e Luiz Ivando, comprovando alterações cromossômicas em trabalhadores da Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte.
Foram coletadas 43 amostras de medula óssea, entre trabalhadores da cultura da banana para exportação e da agricultura familiar. Do total, 11 apresentaram alterações cromossômicas. "Elas são muito frequentes em doenças hematológicas como Leucemia Mielóide Aguda e Síndromes Mielodisplásicas. Precisamos ficar vigilantes com esses trabalhadores. Eles devem ser afastados do veneno. O câncer precisa de várias etapas para o aparecimento e, nestes casos, a primeira etapa apareceu", afirma Luiz Ivando, médico hematologista do Hospital Universitário Walter Cantídio, em Fortaleza.
No município de Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, um dos campeões brasileiros no uso de agrotóxicos na soja e no algodão, foram detectados agrotóxicos no leite materno de 100% das 62 amostras coletadas entre a 3ª e a 8ª semanas após o parto. Endosulfan, DDT e Deltametrina estão entre as substâncias encontradas. Outros estudos da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) apontaram, com dados entre 2000 e 2006, que a incidência de câncer de mama em mulheres e de esôfago e estômago em homens foi de 20% a 50% maior nos municípios com alto uso de pesticidas do que se comparado às populações de áreas não-agrícolas.
Agrotóxicos com potencial carcinogênicos / mutagênicos são proibidos no Brasil. Na prática, existem dezenas desses produtos com registro autorizado para uso. É o caso do ácido giberélico, dimetoato, carbofurano, glifosato, folpete e metamidofós, encontrados nas lavouras de Petrolina (PE) quanto em Limoeiro do Norte (CE).
Limitações
"A avaliação conjunta de neoplasias diferentes utilizada em vários estudos também dificulta a interpretação dos achados. Além disso, o uso da ocupação como única maneira de identificar os sujeitos expostos (nos estudos que compararam agricultores a outras categorias ou à população geral) pode levar à distorção dos resultados", pondera a pesquisadora Maria Luiza Cunha, médica do Departamento de Saúde Coletiva da Santa Casa de São Paulo.
A intoxicação aguda é o tipo mais comum que chega aos registros do Sistema Nacional de Informações Toxicológicas (Sinitox). A intoxicação crônica, pelo longo período de exposição, tem menos chance de ser diagnosticada quanto mais deficiente é o sistema de vigilância em saúde em rastrear o problema a partir de um estudo epidemiológico.
Para Chelda Bedor, há desinformação, tanto das equipes médicas que não traçam perfil histórico (anamnese laboral)dos agricultores durante as consultas, quanto desconhecimento desses próprios pacientes de associar veneno aos sintomas.
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