Cuiabá, Brasil, 25/7/2011 – A água potável no Brasil pode
conter 22 tipos de agrotóxicos, 13 de metais pesados, 13 de solventes e seis de
desinfetantes. Essa presença contaminante é tolerada até níveis fixados em uma
escala oficial, que às vezes é ultrapassada por conveniências econômicas e
devido a controles inadequados. Até 1977 as autoridades determinavam que a água
própria para consumo humano não podia conter resíduos de mais de 12 agrotóxicos
e dez metais. Nada sobre os demais. Desde então foram feitas duas atualizações,
em 1990 e 2004, “legalizando” os resíduos de novos insumos químicos usados na
agricultura e na indústria, lamentou Wanderlei Pignati, médico e professor da
Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).
Em
comparação, a União Europeia só admite cinco agrotóxicos, com limites
inferiores aos previstos no Brasil e um total que impede que cada um chegue ao
máximo tolerado, cuidado este também não adotado no Brasil. O controle de
qualidade da água potável, ainda baseado em eliminar bactérias, não acompanha a
crescente contaminação química, que exige equipamentos “caros e sofisticados”
em medições complexas, afirmou Pignati, especialista que é referência nacional
na pesquisa e na luta contra o que se considera abuso de venenos agrícolas.
O Brasil se
converteu, há três anos, no maior consumidor mundial de defensivos agrícolas de
cultivos, apesar de produzir, por exemplo, menos de um terço de grãos do que os
Estados Unidos. É o custo da liderança em agricultura tropical, alcançado nas
últimas décadas e que lhe permitiu exportar US$ 76,4 bilhões em bens deste
setor no ano passado. A façanha econômica brasileira se concretizou graças a
muita pesquisa agronômica e intenso emprego de fertilizantes, inseticidas,
herbicidas e fungicidas, além da aposta nas monoculturas extensivas,
especialmente a soja, que se converteu no principal produto das exportações,
superando de longe os tradicionais café e açúcar.
O Estado do
Mato Grosso, no centro oeste do país e na fronteira sudeste da Amazônia,
sintetiza essa mudança ao se constituir no maior produtor nacional de soja e,
por extensão, também o maior consumidor de defensivos agrícolas, denominação
para os agroquímicos preferidos pelos produtores e camponeses.
Além de
expandir a área plantada, o que ocorre a partir do desmatamento, o setor
produtor local intensificou o uso de agrotóxicos. “Há dez anos aplicavam-se
oito litros em um hectare de soja, hoje são dez litros”, disse Pignati. “Os
agrotóxicos são uma droga lícita, como o álcool e o tabaco”, acrescentou ao
responder uma pergunta da IPS. O modelo de desenvolvimento agrícola brasileiro
estimula seu uso, isentando-os, por exemplo, do imposto comercial que, no
entanto, é aplicado em medicamentos, em uma prioridade reversa, em detrimento
da saúde, ressaltou o especialista.
Pignati é
um dos ativistas da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida,
lançada no Mato Grosso no começo de junho, que se dedica a estudar o assunto e
divulgar seus conhecimentos desde que chegou à conclusão de que é mais
eficiente atacar as causas das enfermidades do que formar médicos para
tratamentos individuais. Na universidade, vinculou-se ao Departamento de Saúde
Coletiva. O Mato Grosso consome cerca de 150 milhões de litros de agrotóxicos
por ano, equivalente a 50
litros por habitante, contra a média nacional de 5,2 litros , segundo
Pignati.
É
inevitável contaminar as águas em
um Estado que possui milhares de nascentes fluviais que
alimentam as bacias do Rio da Prata e outras quatro amazônicas, alertou
Pignati. O sistema de tratamento da água para consumo da população data de “cem
anos atrás” e busca retirar contaminantes por decantação, mas muitos produtos
químicos escapam desse método e ficam dissolvidos na água, explicou. Seus
efeitos não são apenas as diarreias, mas neurológicos, cancerígenos,
endocrinológicos, psiquiátricos e sua presença persiste durante décadas.
A
“disfunção endócrina”, um tema recente evidenciado pela proliferação de
diabetes, hipotireoidismo e outros distúrbios, servem de alerta para esse
problema, alerta o médico. O risco sanitário no Brasil aumenta pelo uso de
venenos que há muito tempo foram proibidos em outros países, especialmente na
Europa. O caso emblemático é o Endosulfan, um inseticida responsável por
intoxicações fatais, abortos, má-formação fetal e danos aos sistemas nervoso e
imunológico.
Uma
resolução governamental de 2010 determina sua abolição gradual no Brasil. O
Endosulfan estará proibido somente a partir de 2013, e nas próximas semeaduras
ainda será permitida a utilização de 14,8 milhões de litros. Outros 13 produtos
estão sendo avaliados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A
aplicação desses venenos por meio de aviões, o que agrava a contaminação de
pessoas, água e biodiversidade devido à dispersão incontrolada, é um alvo
prioritário dos ambientalistas.
Uma “chuva
de agrotóxicos”, lançada por um avião pulverizador, caiu em março de 2006 sobre
Lucas do Rio Verde, cidade de 45 mil habitantes no norte do Mato Grosso,
rodeada de soja em uma época ou de milho e algodão, em outra. A intoxicação de
pessoas, animais e plantações provocou condenações e amplos debates. Outro
grande impacto teve a divulgação em março de um estudo feito por Danielly
Palma, coordenado por Pignati, que identificou a presença residual de
agrotóxicos no leite materno de 62 mulheres examinadas no ano passado em Lucas
de Rio Verde em 2010.
Em todas
havia DDE, que é no que se transforma o DDT (dicloro difenil tricoloroetano), e
em 44% delas foram encontrados resíduos de Endosulfan. Mas estas críticas e
pesquisas são relativizadas por dirigentes políticos do mundo dos grandes
negócios agropecuários. A comparação com a Europa é indevida, devido às
condições distintas. Os agricultores brasileiros cumprem as regras fixadas pela
Anvisa, o órgão regulador do Ministério da Saúde, afirmou Seneri Paludo,
diretor-executivo da Federação da Agricultura de Mato Grosso.
A
quantidade de consumo de defensivos agrícolas por quantidade de habitantes
tampouco é uma medida legítima, acrescentou Paludo. Os agricultores tendem a
usar “uma dose inferior à necessária, o que às vezes agrava as pragas”, porque
os defensivos representam maiores custos, afirmou. Sua disposição em proteger o
meio ambiente se comprova pelo fato de Mato Grosso ser líder nacional em coleta
de embalagens de agroquímicos usados, ressaltou o dirigente.
Por sua
vez, Edu Pascoski, secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Lucas do Rio
Verde, argumenta que os resíduos identificados nas pesquisas em seu Município “estão
dentro dos níveis aceitáveis”, fixados pela Anvisa. Também justificou que o DDT
e o DDE permanecem nos seres humanos por mais de 60 anos, por isso o que foi
encontrado nos estudos de Danielly Palma pode refletir o uso do produto em
etapas muito anteriores à sua proibição em 1998.
Contudo, se
forem verificados “abusos no uso de agroquímicos”, isso será devido a
permissões dadas por autoridades nacionais, afirmou Pascoski, após garantir que
sua cidade apresenta bom desempenho ambiental, com um acompanhamento constante
da qualidade da água potável, áreas de proteção preservadas ou em recuperação e
abundante vegetação. Envolverde/IPS
As informações são do site:
Envolverde - Jornalismo e Sustentabilidade.
http://envolverde.com.br/noticias/a-ameaca-do-veneno-que-chega-do-campo/
Envolverde - Jornalismo e Sustentabilidade.
http://envolverde.com.br/noticias/a-ameaca-do-veneno-que-chega-do-campo/
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