Aline Scarso, do Brasil de Fato (*)
O documentarista Silvio Tendler fala sobre
seu filme/denúncia contra os rumos do modelo adotado na agricultura brasileira.
Silvio
Tendler é um especialista em documentar a história brasileira. Já o fez a
partir de João Goulart, Juscelino Kubitschek,Carlos Mariguela, Milton Santos,
Glauber Rocha e outros nomes importantes. Em seu último documentário, Silvio
não define nenhum personagem em particular, mas dá o alerta para uma grave
questão que atualmente afeta a vida e a saúde dos brasileiros: o envenenamento
a partir dos alimentos.
Em "O
veneno está na mesa", lançado na segunda-feira (25) no Rio de Janeiro, o
documentarista mostra que o Brasil está envenenando diariamente sua população a
partir do uso abusivo de agrotóxicos nos alimentos. Em um ranking para se
envergonhar, o brasileiro é o que mais consome agrotóxico em todo o mundo,
sendo 5,2 litros
a cada ano por habitante. As consequências, como mostra o documetário, são
desastrosas.
Em
entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Silvio Tendler diz que o problema está
no modelo de desenvolvimento brasileiro. E seu filme, que também é um produto
da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, capitaneada por uma
dezena de movimentos sociais, nos leva a uma reflexão sobre os rumos desse
modelo. Confira.
Brasil de Fato – Você que é um especialista em
registrar a história do Brasil, por que resolveu documentar o impacto dos
agrotóxicos sobre a agricultura e não um outro tema nacional?
Silvio
Tendler – Porque a partir de agora estou
querendo discutir o futuro e não mais o passado. Eu tenho todo o respeito pelo
passado, adoro os filmes que fiz, adoro minha obra. Aliás, meus filmes não são
voltados para o passado, são voltados para uma reflexão que ajuda a construir o
presente e, de uma certa forma, o futuro. Mas estou muito preocupado. Na
verdade esse filme nasceu de uma conversa minha com [o jornalista e
escritor] Eduardo Galeano em Montevidéu [no Uruguai] há uns dois anos atrás, em
que discutíamos o mundo, o futuro, a vida. E o Galeano estava muito preocupado
porque o Brasil é o país que mais consumia agrotóxico no mundo. O mundo está
sendo completamente intoxicado por uma indústria absolutamente desnecessária e
gananciosa, cujo único objetivo realmente é ganhar dinheiro. Quer dizer, não
tem nenhum sentido para a humanidade que justifique isso que está se fazendo
com os seres humanos e a própria terra. A partir daí resolvi trabalhar essa
questão. Conversei com o João Pedro Stédile [coordenador do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra], e ele disse que estavam preocupados com isso
também. Por coincidência, surgiu a Campanha permanente contra os Agrotóxicos,
movida por muitas entidades, todas absolutamente muito respeitadas e
respeitáveis. Fizemos a parceria e o filme ficou pronto. É um filme que vai ter
desdobramentos, porque eu agora quero trabalhar essas questões.
Então
seus próximos documentários deverão tratar desse tema?
Pra você
ter uma ideia, no contrato inicial desse documentário consta que ele seria
feito em 26 minutos, mas é muita coisa pra falar. Então ficou em 50 [minutos].
E as pessoas quando viram o filme, ao invés de me dizerem ‘está muito longo’,
disseram ‘está curto, você tem que falar mais’. Quer dizer, tem que discutir
outras questões, e aí eu me entusiasmei com essa ideia e estou querendo
discutir temas conexos à destruição do planeta por conta de um modelo de
desenvolvimento perverso que está sendo adotado. Uma questão para ser discutida
de forma urgente, que é conexa a esse filme, é o agronegócio. É o modelo de
desenvolvimento brasileiro. Quer dizer, porque colocar os trabalhadores para
fora da terra deles para que vivam de forma absolutamente marginal, provocando
o inchaço das cidades e a perda de qualidade de vida para todo mundo, já
que no espaço onde moravam cinco, vão morar 15? Por que se plantou no Brasil
esse modelo que expulsa as pessoas da terra para concentrar a propriedade rural
em poucas mãos, esse modelo de desenvolvimento, todo ele mecanizado,
industrializado, desempregando mão de obra para que algumas pessoas tenham um
lucro absurdo? E tudo está vinculado à exploração predatória da terra. Por que
nós temos que desenvolver o mundo, a terra, o Brasil em função do lucro e não
dos direitos do homem e da natureza? Essas são as questões que quero discutir.
Você
também mostrou que até mesmo os trabalhadores que não foram expulsos do campo
estão morrendo por aplicar em agrotóxicos nas plantações. O impacto na saúde
desses agricultores é muito grande...
É mais
grave que isso. Na verdade, o cara é obrigado a usar o agrotóxico. Se ele não
usar o agrotóxico, ele não recebe o crédito do banco. O banco não financia a
agricultura sem agrotóxico. Inclusive tem um camponês que fala isso no filme, o
Adonai. Ele conta que no dia em que o inspetor do banco vai à plantação
verificar se ele comprou os produtos, se você não tiver as notas da semente
transgênica, do herbicida, etc, você é obrigado a devolver o dinheiro. Então
não é verdade que se dá ao camponês agricultor o direito de dizer ‘não quero
plantar transgênico’, ‘não quero trabalhar com herbicidas’, ‘quero trabalhar
com agricultura orgânica, natural’. Porque para o banco, a garantia de que a
safra vai vingar não é o trabalho do camponês e a sua relação com a terra,
são os produtos químicos que são usados para afastar as pestes, afastar pragas.
Esse modelo está completamente errado. O camponês não tem nenhum tipo de
crédito alternativo, que dê a ele o direito de fazer um outro tipo de
agricultura. E aí você deixa as pessoas morrendo como empregadas do
agronegócio, como tem o Vanderlei, que é mostrado no filme. Depois de três anos
fazendo a tal da mistura dos agrotóxicos, morreu de uma hepatopatia grave. Tem
outra senhora de 32 anos que está ficando totalmente paralítica por conta do trabalho
dela com agrotóxico na lavoura do fumo.
A
impressão que dá é que os brasileiros estão se envenenando sem saber. Você acha
que o filme pode contribuir para colocar o assunto em discussão?
Eu acho
que a discussão é exatamente essa, a discussão é política. Eu, de uma certa
maneira, despolitizei propositadamente o documentário. Eu não queria fazer um
discurso em defesa da reforma agrária ou contra o agronegócio para não
politizar a questão, para não parecer que, na verdade, a gente não quer comer
bem, a gente quer dividir a terra. E são duas coisas que, apesar de conexas, eu
não quis abordar. Eu não quis, digamos assustar a classe média. Eu só
estou mostrando os malefícios que o agrotóxico provoca na vida da gente para
que a classe média se convença que tem que lutar contra os agrotóxicos, que é
uma luta que não é individual, é uma luta coletiva e política. Tem muita gente
que parte do princípio ‘ah, então já sei, perto da minha casa tem uma feirinha
orgânica e eu vou me virar e comer lá’, porque são pessoas que têm maior poder
aquisitivo e poderiam comprar. Mas a questão não é essa. A questão é política,
porque o agrotóxico está infiltrado no nosso cotidiano, entendeu? Queira você
ou não, o agrotóxico chega à sua mesa através do pão, da pizza, do macarrão. O
trigo é um trigo transgênico e chega a ser tratado com até oito cargas de
pulverizador por ano. Você vai na pizzaria comer uma pizza deliciosa e aquilo
ali tem transgênico. O que você está comendo na sua mesa é veneno. Isso
independe de você. Hoje nada escapa. Então, ou você vai ser um monge recluso,
plantando sua hortinha e sua terrinha, ou se você é uma pessoa que vai ficar
exposta a isso e será obrigada a consumir.
Como
você avalia o governo Dilma a partir dessa política de isenção fiscal para o
uso de agrotóxico no campo brasileiro?
Deixa eu
te falar, o governo Dilma está começando agora, não tem nenhum ano, então não
dá para responsabilizá-la por essa política. Na verdade esse filme vai servir
de alerta para ela também. Muitas das coisas que são ditas no filme, eles [o
governo] não têm consciência. Esse filme não é para se vingar de ninguém. É
para alertar. Quer dizer, na verdade você mora em Brasília, você está longe do
mundo, e alguém diz para você ‘ah, isso é frescura da esquerda, esse problema
não existe’, e os relatórios que colocam na sua mesa omitem as pessoas que
estão morrendo por lidar diretamente com agrotóxico. [As mortes] vão todas para
as vírgulas das estatísticas, entendeu? Acho que está na hora de mostrar que
muitas vidas não seriam sacrificadas se a gente partisse para um modelo de
agricultura mais humano, mais baseado nos insumos naturais, no manejo da terra,
ao invés de intoxicar com veneno os rios, os lagos, os açudes, as pessoas, as
crianças que vivem em volta, entendeu? Eu acho que seria ótimo se esse filme
chegasse nas mãos da presidenta e ela pudesse tomar consciência desse modelo
que nós estamos vivendo e, a partir daí, começasse a mudar as políticas.
No
documentário você optou por não falar com as empresas produtoras de
agrotóxicos. Essa ideia ficou para um outro documentário?
É porque
eu não quis fazer um filme que abrisse uma discussão técnica. Se as empresas
reclamarem muito e pedirem para falar, eu ouço. Eu já recebi alguns pedidos e
deixei as portas abertas. No Ceará eu filmei um cara que trabalha com gado
leiteiro que estava morrendo contaminado por causa de uma empresa vizinha. Eu
filmei, a empresa vizinha reclamou e eu deixei a porta aberta, dizendo ‘tudo
bem, então vamos trabalhar em breve isso num outro filme’. Se as empresas que
manipulam e produzem agrotóxico me chamarem para conversar, eu vou. E vou me
basear cientificamente na questão porque eles também são craques em enrolar. Querem
comprovar que você está comendo veneno e tudo bem (risos). E eu preciso de
subsídios para dizer que não, que aquele veneno não é necessário para a minha
vida. Nesse primeiro momento, eu quis botar a discussão na mesa. Algumas
pessoas já começaram a me assustar, ‘você vai tomar processo’, mas eu estou na
vida para viver. Se o cara quiser me processar por um documentário no qual eu
falei a verdade, ele processa pois tem o direito. Agora, eu tenho direito como
cineasta, de dizer o que eu penso.
Esse
filme será lançado somente no Rio ou em outras capitais também?
Eu estou
convidado também para ir para Pernambuco em setembro, mas o filme pode
acontecer independente de mim. Esse filme está saindo com o selinho de ‘copie e
distribua’. Ele não será vendido. A gente vai fazer algumas cópias e distribuir
dentro do sentido de multiplicação, no qual as pessoas recebem as cópias, fazem
novas e as distribuem. O ideal é que cada entidade, e são mais de 20 bancando a
Campanha, consiga distribuir pelo menos mil unidades. De cara você tem 20 mil
cópias para serem distribuídas. E depois nós temos os estudantes, os movimentos
sociais e sindicais, os professores. Vai ser uma discussão no Brasil. Temos que
levar esse documentário para Brasília, para o Congresso, para a presidenta da
República, para o ministro da Agricultura, para o Ibama. Todo mundo tem que ver
esse filme.
E
expectativa é boa então?
Sim. Eu
sou um otimista. Sempre fui.
http://www.brasildefato.com.br/node/6965
Para ver o Filme:
http://muralvirtual-educaoambiental.blogspot.com/2011/09/o-veneno-esta-na-mesa-de-silvio-tendler.html
http://muralvirtual-educaoambiental.blogspot.com/2011/09/o-veneno-esta-na-mesa-de-silvio-tendler.html
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