Cada vez mais a população está
consciente da incompatibilidade do desejo por qualidade de vida e o atual
cotidiano das grandes cidades. Um dos pontos mais sérios acerca desta questão é
o fato de uma pesquisa recente ter revelado que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Além disso, a campanha
“Agrotóxico Mata”, encabeçada por movimentos sociais e estudiosos da área,
estimou que cada brasileiro consome em torno de 5,2 litros de veneno por
ano. O furor que a campanha está causando faz com que uma quantidade cada vez
maior de pessoas tomem partido da necessidade de novos hábitos e padrões de
alimentação.
No entanto, o oportunismo de
grandes transnacionais traz o risco de não haver uma “transformação”, mas sim,
mais uma readequação ao já arcaico modelo. Sobre isso, a Caros Amigos conversou
com Sebastião Pinheiro, especialista no tema.
Engenheiro Agrônomo e Florestal, atualmente Pinheiro atua no Núcleo de Economia
Alternativa (NEA), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Entre
outros livros, ele escreveu “Ladrões de Natureza” e “A Agricultura Ecológica e
a Máfia dos Agrotóxicos no Brasil”. Neste ano, ele lançou a “Cartilha da Saúde
do Solo”, que aborda temas como a importância do pequeno agricultor apoderar-se
das técnicas tradicionais e eficazes que compõem, segundo Pinheiro, a
“verdadeira biotecnologia”.
Os textos também trazem dados de como as
grandes transnacionais estão inviabilizando a prática da agricultura dos
pequenos produtores, criando um novo mercado baseado na biotecnologia
industrial, pretensamente “orgânica”.
Como o senhor vê a questão dos
agrotóxicos hoje?
Em 1978 eu comecei a dar
treinamentos sobre o uso de agrotóxicos. Havia pessoas que defendiam o bom uso
dos agrotóxicos, e eu sempre dizia que o melhor uso do agrotóxico é
não usá-lo.
Eles diziam que eu estava louco. Em 1981, eu fui enviado pra Alemanha por
Delfim Netto, do Ministério do Planejamento. Lá, eu percebi uma coisa
fantástica: na Alemanha, o agrotóxico era coisa do passado, já era assim em 1981. A Alemanha toda
estava preparando a biotecnologia de ponta para o futuro. Eu cheguei lá e vi
que só se falava em agricultura alternativa, que aqui, hoje, se chama de
orgânica. E agora nós estamos ainda brigando contra os agrotóxicos.
E como está a situação dos
transgênicos?
Eu comecei discutir os
transgênicos em 1986. Eu dizia que essa coisa não iria longe, as indústrias
tinham que ter alguma coisa guardada na manga. Ninguém é imbecil de comer
veneno e ter câncer, mesmo que isso seja uma indústria lucrativa. Ninguém vê, mas comer veneno e ter câncer é altamente lucrativo. Basta ver os doutores de
oncologia. Qualquer pessoa que chega aos 65 anos começa a reclamar que dói a
próstata, dói isso e dói aquilo. Quando não deveria ser assim. Não deveria ser
macabro. Eu deveria ser feliz até morrer. Os transgênicos começam a ser criados
como artifício industrial militarista-econômico-financeiro em 1930.
Como é a regulamentação dos
transgênicos?
Em 1988, houve a Constituinte.
O então deputado Carlos Araújo, ex-marido da Dilma, em uma ocasião me perguntou
o que eu achava da constituinte gaúcha. Eu disse que teria que ser acrescentado
um item. Disse que surgiria um tema que iria fazer com que os agrotóxicos
ficassem no chinelo: os transgênicos. As multinacionais iriam exacerbar sua
atuação e iriam concentrar seu poder. Ele acrescentou o item e hoje o artigo
existe, é o 251 da Constituição: “toda pesquisa, trabalho ou atividade que
envolva organismos geneticamente modificados deverão ter permissão prévia do estado
do Rio Grande do Sul”. Na constituição gaúcha está escrito isso.
Qual o destino dos agrotóxicos?
Nós temos a Lei 7802/89.
Vou repetir uma conversa que eu tive com o pessoal do MST daqui [Rio Grande do
Sul]. Eu disse para eles que para cada ato de fiscalização que eles me
trouxessem dessa lei, eu pagaria 100 dólares – não tenho, mas pagaria. Qualquer
ato de fiscalização da Lei Nacional dos Agrotóxicos, em qualquer um dos 25
estados da Federação. Lógico, não deve ser zero, deve ter um ou dois, aqui ou ali,
mas por quê? Porque é proibido fiscalizar! A quem beneficia a lei hoje? Preste
atenção, qual é a palavra criada por Bush para o mundo: a palavra terror. A
palavra mais importante do planeta nesses últimos 10 anos foi terror. O terror
impõe medo. O terror é o medo que o pequeno impõe ao grande quando o grande não
consegue controlar o pequeno. Isso é terrorismo. O medo faz parte do cotidiano
das pessoas. Quando você me traz a palavra agrotóxico, o contexto que eu vejo
lá fora é de medo. Eu tenho medo do agrotóxico,
então eu quero um alimento orgânico. Vai ser mais caro ou mais barato? Ele vai ser para uma elite
mais abjeta e mais detestável. Essa é minha crítica à campanha dos agrotóxicos.
Me dou muito bem com o Stédile, conheço ele, mas eu disse pra ele: não façam
isso porque vocês não podem dar conta. Eu sempre uso uma expressão “ao inimigo
eu não dou trégua, nem munição”. O problema do agrotóxico no mundo começa em
1961, quando a mulher norte-americana Rachel Carson, uma grande bióloga,
descobre que está com câncer de mama, que era mortal naquela época. Ela escreve
uma série de crônicas no New York Times sobre o que os Estados Unidos
estavam fazendo com a sua agricultura. Na verdade, era o petróleo se
transformando em
agricultura. Ela compila isso no livro “Primavera
Silenciosa”. Em 1968, tem início uma campanha contra os agrotóxicos no mundo
inteiro. Quem é que faz essa campanha? As indústrias. Elas criam uma campanha
controlada. Ou seja, conduzida e manipulada pelos interesses delas. Elas usavam
a tecnologia. Quem tinha tecnologia de ponta de agrotóxico? Alemanha: 95%;
Shell (anglo-holandesa); ESSO (grupo Rockfeller).
É possível produzir alimentos
orgânicos para toda a sociedade?
E por que não?
De que forma se trabalha para
isso?
Nós estamos fazendo uma
campanha diferente. Nessa campanha, um curso foi dado ao MST, nos Filhos de
Sepé, em Viamão (RS), durante três dias. Eu não estou mais falando de veneno,
vou explicar o porquê. O veneno é um problema da indústria, não é um problema nosso.
Qual é a minha preocupação: eu tenho um solo, se o solo é são, a semente
colocada nele irá se desenvolver de forma sadia, o fruto dessa planta será
sadio e quem comer o alimento vai ter saúde. Temos uma trilogia: solo são,
planta sã, homem são. Preciso gastar algum dinheiro ou preciso trazer educação?
Eu não retrocedo. A indústria pode induzir e manipular, mas eu estou lá na
frente. A indústria jamais quer sua imagem afetada. Ninguém limpa a imagem de
um produto no mercado. Hoje as empresas do ramo dos agrotóxicos estão com o pé
preso. E eu vou manter o pé delas preso. A Bayer não vai se tornar uma empresa
“sustentável” de “inóculos saudáveis”. Inóculos saudáveis são aqueles das vovós
sertanejas. Aquilo sim é biotecnologia, aquilo sim é agroecologia crioula, cabocla, nativa, negra. A da
Bayer, não. A briga não mudou de plano. O plano é o mesmo. A Bayer é uma
empresa que fabrica o mesmo produto, o que mudou foi a matriz.
A luta tem de ser travada em
qual plano?
Qual é o futuro? O futuro tem
uma matriz tecnológica: a biotecnologia. Se você não souber biotecnologia, cai
fora. Sai da reta porque eles vão passar por cima. É preciso dominar a biotecnologia quilombola, crioula. Se eles vão criar um mercado
para daqui 25 anos, eu não estou preocupado com eles. Eu estou preparando esse
mercado para dentro de três anos. Os orgânicos do Rio Grande do Sul são um dos
melhores do mundo e não são elitizados. É isso que nós temos que fazer, senão
eu danço a música que o outro toca.
Há um interesse das
transnacionais nos produtos orgânicos?
A Inglaterra é campeã em te
manipular e te induzir. Ela é a contra-inteligência hoje. Não pense que a
Bayer, com um orçamento que é quatro vezes o do Brasil, e não tem 200 milhões
de habitantes, não protege a sua marca, o seu nome. Em 1986, eu estava no
IFOAM, a Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica, e o
José Lutzenberger foi falar pela América Latina, e eu, pelo Brasil. A
preocupação era o caso dos agrotóxicos no Brasil. Na hora do cafezinho, me
disseram que tinha um cara com um crachá da Bayer no peito. Eu fui conferir.
Chego lá, são quatro pessoas de gravata e terno preto. Eu olhei pra eles e
falei em alemão: “Perdoem a minha indiscrição, eu teria uma pergunta para fazer
para os senhores: esse aqui é o quinto congresso mundial de agricultura
orgânica, o que a vossa empresa faz aqui?”. Sabe o que o cara me disse: “Saiba
você que esse será o nosso maior departamento para dentro de 20 anos”. Ou seja,
a Bayer já projetava como ia ganhar dinheiro no futuro.
Qual seria a participação deles
nesse novo mercado?
Às vezes você nem vê. Eles
estão aqui porque agora eles não são a linha de frente da ANDEF [Associação
Nacional dos Defensivos Agrícolas, hoje, Associação Nacional de Defesa
Vegetal], quando subornavam os funcionários burocratas do Ministério da
Agricultura e quando corrompiam. Eu já presenciei várias vezes, em plena
ditadura, aqui no Rio Grande do Sul, eles pegarem centenas de cruzeiros e
colocarem na mão do jornalista para que ele fizesse uma matéria favorável a
eles. Hoje eles estão na FIESP [Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo].
Qual é o papel específico das
empresas nessa nova economia?
Você acredita ainda que existe
o Estado-Nacional? Nem nos Estados Unidos existe. O que existe hoje é um
colegiado de grandes empresas. Se quiser rir um pouco: Jorge Gerdau Johannpeter
faz parte do governo Tarso Genro. E o pior é que o Tarso não sabe. E nós não
nos damos conta disso. Hoje o jogo é esse. Não há Estado-Nacional. Quem manda é
um colegiado de empresas. A palavra máxima de Adolf Hitler era a eugenia. Se
você come cesta básica, eu não preciso te tirar o direito de voto, ele cai por
si só. Se você comer orgânico, você é ascendido. Que tipo de sociedade é essa
onde o pobre é obrigado a comer merda e o rico pode pagar mais caro por um
alimento orgânico? Ela é democrática, fraterna? Não. É uma sociedade fascista.
E não tem futuro.
Qual a responsabilidade que as
indústrias têm sobre os agrotóxicos?
Quando uma indústria cria um
agrotóxico, a primeira preocupação dela é procurar um governo que o registre. Porque a indústria só tem
responsabilidade por 99 anos. A responsabilidade de um governo é eterna. Quem
registra é o governo. Ele assume o interesse da indústria e executa o que a
indústria quer. Por isso que, nos Estados Unidos, quando a indústria quer
registrar algo, o Tio Sam diz: “eu registro, mas quero um depósito de 250
milhões de dólares para garantia de que não há o falseamento de nenhum dos
dados e se houver algum problema eu não distribuo na costa do povo americano”.
Recentemente, deu uma confusão com uma merendeira de uma escola com relação a
um veneno de rato colocado na comida. Eles não estão discutindo uma questão
mais importante. A empresa do veneno, chamada Nitrosin, faliu há 30 anos. Eu só
observo e penso quem é quem e por quê. Tudo, hoje, é jogo de
inteligência. A coisa funciona assim: o décimo quarto assessor da OMC,
não é o primeiro, é o décimo quarto, liga para o presidente e fala “senhor
presidente, aquele crédito que o senhor precisa para habitação, saúde,
infra-estrutura está pronto para ser liberado, estou com a caneta na mão, só
precisamos de uma coisa: transgênicos, agrotóxicos...”. É assim que funciona.
Se eles quiserem, ainda, telefonam pra Globo, SBT, Bandeirantes.
Quais os países que registram
os agrotóxicos?
Hoje, é Brasil. Brasil e China.
Há algum episódio marcante em
função do uso dos agrotóxicos no Rio Grande do Sul?
Um dia eu estava na UFRGS e
chega uma menina e diz que é de Santa Cruz do Sul. Ela fala que vários pais dos
amigos dela de Venâncio Aires estavam se suicidando. Eu perguntei se eram
produtores de fumo, ela confirmou. Como ela era advogada, eu sugeri que ela
pegasse os prontuários das ocorrências. Indiquei que pegasse os dos
últimos dez anos. Na Argentina, onde eu estudei, um professor uma vez me disse
que no momento em que os inseticidas fosforados foram introduzidos na
fumicultura, os suicídios cresceram em nove mil por cento. Depois de um tempo,
eu comecei a montar os perfis dos prontuários que ela trouxe. Começamos a
trabalhar eu, ela e mais dois: um médico com especialização em mortalidade e um
especialista em
fosforados. Num certo momento, eu falei para ela que não
estava gostando do que estávamos fazendo. Nós estávamos trabalhando conforme a
ciência acadêmica brasileira e eu não sou isso, nunca fui e nem quero ser. Eu
disse que nós tínhamos que ter uma atitude. E uma atitude não era pesquisar a
desgraça alheia. A atitude teria que ser parar com aquela merda. Ela me
perguntou o que poderíamos fazer. Eu disse que deveríamos ir à comissão de
Direitos Humanos e falar com um deputado bastante interessante, que depois não
se elegeu mais, o nome dele era Marcos Rolim. Ele olhou e propôs que fizéssemos
uma audiência pública, que era o que nós queríamos. Nós tínhamos encontrando
que, no Rio Grande do Sul, havia o dobro de suicídios em comparação com o
Brasil, e Venâncio Aires tinha quatro vezes o número do Rio Grande do Sul. Isso
é um dado que assusta. Os resultados causaram uma comoção mundial. Se você procurar
na agência espanhola, Reuters, AP, AFP, a agência alemã, todo mundo repercutiu
a denúncia de Venâncio Aires. No mundo, o suicídio mais comum é na faixa etária
entre 17 e 18 anos ou entre 60 e 70. Em Venâncio Aires , era
entre 30 e 35.
Como essas indústrias estão
interferindo na forma de pensar a agricultura?
Você sabe quem está fazendo a
“Revolução Verde” na África, sem agrotóxico? Kofi Annan, Bill & Melinda
Gates, Fundação Rockfeller, EMBRAPA. Todos estão lá e
você pensa “o que tem a EMBRAPA a ver com a África?”. Os maiores centros
financeiros do mundo estão na África e nós não estamos nem nos dando conta
disso, nem sabemos o que significa. O nosso problema, hoje, é que nós não nos adaptamos
à OMC e à economia globalizada. Um dado impressionante é que a Nestlé está
fazendo contratos de agroecologia com agricultores nordestinos, aqui no Brasil.
Orgânicos para a Nestlé! A lei brasileira de orgânicos não tem nada a ver com
agricultores, ela se chama 10831/03. Hoje, na Etiópia, existem 40 milhões de
pessoas passando fome. Sabe qual é a proposta da Nestlé e da PEPSICO? Barrinhas
de cereais. Uma barra de cereal tem um custo de 0,01 centavo de dólar. Ela deve
ser vendida a 3 dólares para as Nações Unidas. Dá margem de lucro ou não
dá? Hoje, para produzir orgânicos,
você precisa pagar um certificado de orgânico que pode custar até 25 mil
dólares. A lei te obriga a fazer uma
certificação de alimento orgânico pela ECOCERT, por exemplo.
Realmente precisamos de muita informação! Sabe eu venho tentando introduzir os alimentos orgânicos em minha mesa, há um certo tempo, porém não consigo, não dá forma como queria. O motivo, são os preços. Quando vou à feira orgânica do Parque da Água Branca, local mais próximo de minha casa, aqui em SP, levo um susto! Batatas por seis reais o quilo, bananas por quatro, cinco reais a dúzia! O fato que apesar de saber das vantagens do alimento, sou Professora e meu orçamento não dá para isso! Se for a loja da Korin na Vila Mariana então, você se assusta com o preço da cesta básica orgânica. Concordo com o Professor entrevistado, hoje o problema não está mais na divulgação da importância dos alimentos orgânicos, nem tão pouco nas mortes ligadas aos agrotóxicos. Todos sabemos, o problema é que não temos dinheiro para investir em uma alimentação tão cara!!!! Socorro, eu quero comer algo saudável! O que faço? Começo a plantar em casa?
ResponderExcluirRealmente Elaine a questão levantada deve ser levada ao debate. Temos as informações - mas, dificuldades em colocar em pratica - seja pelas dificuldades em encontrar alimentos mais saudáveis e/ou pela dificuldade em investir nestes alimentos pelo seu auto custo.
ResponderExcluirDeveria haver mais investimentos e incentivos a agricultura mais natural por parte dos governos, considerando que não falta dinheiro, incentivos e pesquisas a agricultura química.
Uma vez que houvesse uma produção maior com certeza haveria uma redução no preço cobrado por esses produtos, pelo menos é o que espero.
Plantar em casa? Poderia ser uma opção para minimizar o problema - mas, para isto precisamos de um pequeno espaço.